Literatura é vida, escreveu
Guimarães Rosa. Se assim é, como não aproveitar ficcionalmente um episódio de
tamanha magnitude, quando se esteve mergulhado nele como testemunha e ator
coadjuvante em seus atos periféricos, aos 13 anos de idade? Ibotirama tinha 5
mil habitantes e falava-se em mil homens armados circulando pela cidade, de dia
e de noite. Cortavam a luz às 22h, ninguém podia circular nas ruas até o
amanhecer, tudo era suspense, ameaça constante, medo e desconfiança. Sabe-se
hoje que foram cerca de 300 homens envolvidos na Operação Pajussara,
distribuídos por quatro municípios. Mas que importância tem esse número para a
obra ficcional? Nenhuma, obviamente. Importa o que impressionou aquele garoto
que fui, aquilo que foi desbastado ou acrescido na memória pelo correr do tempo
e pela imaginação. Tudo que se tornou denso, potente e emocionante, ou seja,
tudo que se tornou em mim matéria de ficção.
Antes dos homens armados
chegarem a Ibotirama, a Bom Jardim do romance, à caça dos subversivos, o
asfalto também havia chegado à cidade. E esse foi outro momento de impacto
sócio-econômico expressivo. Conectou o lugar ao mundo por via terrestre,
ligação bem mais facilitada que por via fluvial. Marcou o início do fim do
ciclo dos vapores e deu início ao dos caminhões; das mortes por afogamento
pelas mortes por atropelamento; das fugas a cavalo ou canoa pelas fugas em
ônibus; do marasmo beiradeiro pelas buzinas e roncos de motores. Alguma coisa
boa, muito de coisa ruim; uma aceleração das horas, como bem repara Gero logo
no início do romance. Reparem, uma ideia foi se prendendo a outra, abrindo um
leque de opções narrativas suficientes para uma trilogia ou tetralogia, sei lá
eu, a partir do tempo histórico do meu lugar e suas mutações.
Pequeno trecho de palestra proferida na UFRB, ano passado, para os alunos de literatura da escritora e poeta Ângela Vilma.